Da farmácia para a mesa
Muitos alimentos já tiveram fama de curar doenças. Com o passar do tempo, alguns se mostraram bem menos milagrosos
por Flávia Pinho
Azeite contra a dor de ouvido
Até bem pouco tempo atrás, o azeite era considerado um santo remédio para dor de ouvido: bastava pingar algumas gotas quentes. São crenças que ainda sobrevivem na medicina popular em várias partes do mundo. "Os camponeses da Toscana até hoje usam o azeite para reduzir as irritações produzidas por urtigas e curar machucaduras", afirma o italiano Luciano Percussi no livro Azeite - Histórias e Receitas. Muito antes, desde a Idade Média, era usado como isolante contra o frio. As mães chegavam a untar a pele dos bebês nos dias mais gelados.
Chás etílicos
Os árabes é que descobriram o álcool proveniente da cana. "Eles inventaram o alambique", afirma o historiador Ricardo Maranhão, da Universidade de Gastronomia Anhembi-Morumbi. A princípio, a bebida era usada para diluir os medicamentos, que não passavam de infusões ou chás misturados. No Rio de Janeiro do século 19, essas beberagens ainda eram vendidas nas boticas, que faziam as vezes de mercearias. O povo ia até lá para fazer compras, aproveitava para dar uma bicadinha na bebida ali mesmo, no balcão... e assim nasceu o botequim.
Soja, só fermentada
Cinco mil anos atrás, os chineses já consideravam a soja um grão sagrado, ao lado do arroz, do trigo, da cevada e do milheto (variedade de milho de grãos miúdos). Mas isso dependia de como ela era preparada. Os médicos aprovavam os grãos fermentados, como aparecem no shoyu e no missô. Já a versão crua ou cozida era tida como perigosamente prejudicial. Não é que eles tinham razão? Hoje se sabe que a soja contém uma série de fatores que dificultam a digestão e impedem a absorção de nutrientes, fatores neutralizados pela fermentação.
Batata para voar
Para os incas, a batata significava vida, e não por acaso: poucos alimentos vingavam a mais de 3500 metros acima do mar. Os colonizadores espanhóis não compraram a ideia. Até levaram algumas amostras para a Europa, mas as plantas não passaram dos jardins. "Seu maior crime era pertencer à família das belladonas, que contém uma substância para se fazerem unguentos e, acreditava-se, dava às bruxas o poder de voar", afirma a crítica Danusia Barbara no livro Batata. Dizia-se também que o tubérculo propagava tuberculose, raquitismo, sífilis e luxúria.
A força do espinafre
Lembra a receita de força do Popeye? Pois o personagem foi criado no finzinho da década de 20, ainda em quadrinhos, no embalo da fama que o espinafre já tinha: a de ser um alimento capaz de fortelecer qualquer fracote. "O objetivo da história era lançar o espinafre enlatado", afirma Ricardo Maranhão. Esse superpoder, porém, já não convence ninguém. Apesar de ser riquíssima em ferro, a verdura contém oxalato, substância que inibe a absorção do nutriente pelo organismo.
Doce para a fraqueza
O açúcar passou a fazer parte das receitas culinárias por volta do século 15, quando os portugueses investiram pesado no plantio da cana em suas colônias. Antes disso, era muito caro - e não servia para adoçar bebidas e alimentos, tarefa que cabia ao mel. "O açúcar era utilizado somente para tratar doenças ligadas à fraqueza. Na Antiguidade, acreditava-se que a saúde dependia do equilíbrio de elementos quente, frio, úmido e seco do organismo, e o açúcar era o componente quente e energético", diz Ricardo Maranhão.
Refrigerante de botica
Muito se especula a respeito da Coca-Cola: que desentope pia, que bronzeia, que espanta o sono... Uma dessas histórias é verdadeira: a bebida de fato nasceu para ser vendida em farmácia. O inventor era um farmacêutico, o americano John Pemberton (1831-1888), de Atlanta. Em 1886, ele pesquisava a cura para dores de cabeça e chegou a uma fórmula escura e espessa. Levado à Jacob’s Pharmacy, o xarope foi misturado a água gasosa e oferecido aos clientes, pela primeira vez, no dia 8 de maio - o copo de 237 ml custava 5 centavos de dólar. Logo a farmácia vendia nove copos diários.
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