Frutos de uma arquitetura abençoada - Gazeta do Povo em 27/11/2010
Paraná tem 200 igrejas ucranianas de madeira, mas muitas padecem por falta de manutenção e porque nem sempre são vistas como um patrimônio cultural a ser preservado
Pollianna Milan
Obra de arte não tem religião. Mas na prática não é o que parece. Pelos quatro cantos do país é fácil encontrar igrejas que estão a ponto de ruir. Diria o arcebispo de Juiz de Fora, dom Gil Antonio Moreira, presidente da comissão de bens culturais da regional Leste, que as casas de Deus representam 60% das obras artísticas do país. O problema é que muitas estão abandonadas porque esbarram em uma questão de crença: quem não é religioso normalmente não se interessa em saber quais foram as técnicas construtivas aplicadas nesses verdadeiros templos arquitetônicos. E pior. Há padres rezando por aí que igrejinha de madeira é coisa de pobre: quando existe dinheiro, ele não é usado na conservação, mas com o intuito de derrubar tudo e construir a sonhada igreja de alvenaria, mais moderna. “Antes ainda existia a aura de que se estragar é pecado. Hoje nem isso”, afirma o arquiteto Key Imaguire, que estuda a arquitetura de madeira no estado.
É no interior do Paraná que estão escondidas as verdadeiras relíquias de madeira, muitas desconhecidas por grande parte dos próprios paranaenses. Ao todo, são cerca de 200: 25 delas foram catalogadas em um dossiê arquitetônico que virou livro, intitulado Igrejas Ucranianas: arquitetura da imigração no Paraná.
O estudo desta arquitetura é uma lição de herança cultural, da relação do homem que chegou por aqui (no caso os ucranianos) com o ambiente que encontrou, com a matéria-prima que necessitava para reconstruir sua identidade. Não por acaso, três das igrejas construídas por esses imigrantes já têm tombamento estadual e duas estão com processo de tombamento federal. “Não sei se o tombamento é a melhor alternativa, porque pode engessar. É lógico que se for tombado e vir o recurso [como em Antonio Olinto], ótimo. Caso contrário, é importante trabalhar com a comunidade para explicar a importância da manutenção e do que não deve ser feito, para que não se cometam besteiras durante a reforma”, explica Key.
Acesso
É difícil chegar a grande parte dessa igrejas, o que de certa forma justifica a falta de prestígio. Elas ficam em áreas rurais e o acesso normalmente se dá por meio de uma estrada de barro vermelho que vira lamaçal em dias de chuva. O pior é que as antigas famílias, que cuidavam desse patrimônio, estão sumindo. “Certas comunidades são muito pequenas. Em uma delas, havia quatro famílias que cuidavam da igreja. Os filhos casaram, foram embora e não há mais pessoas da comunidade para fazer a manutenção”, diz Key Imaguire. “Quando passamos pelo interior para fazer o levantamento, um grupo de senhoras nos perguntou quando o padre iria voltar para rezar a missa. Ou seja, nem o sacerdote pertence mais ao local.”
Grande parte das igrejas foi construída no século 19: elas normalmente têm uma torre sobre os telhados, com base octogonal e que acaba com uma cúpula que parece a silhueta de uma pera. “A cúpula acabou virando o símbolo dos ucranianos no Brasil”, explica a arquiteta Marialba Gaspar Imaguire, uma das autoras do livro. A cúpula, segundo Marialba, é quase sempre aberta na parte que fica no interior da igreja, para seguir a lógica de canalizar as orações ao céu. “É uma arquitetura semelhante à das igrejas russas, mas os próprios ucranianos negam isso, provavelmente por causa da ocupação russa na Ucrânia”, afirma. Algumas igrejas chegam a ter pequenas varandas na entrada.
As três mais antigas do Paraná são as igrejas de São Miguel de Arcanjo (em Dorizon), Nossa Senhora da Imaculada Conceição (Antônio Olinto) e Espírito Santo (General Carneiro). “Percebe-se nesses primeiros templos a perpetuação no Paraná da constituição do sistema construtivo da Ucrânia”, diz Marialba.
Internamente a obra de arte também se repete. As igrejas têm pinturas bastante coloridas, feitas com a técnica estêncil, muitas com padrões geométricos que mais parecem bordados e pinturas de pêssankas. As pinturas podem ainda representar tapetes, cenas do cotidiano ou buscar reflexões espirituais.
Simbologia
A iconostáse é um dos artigos de alto custo das igrejas ucranianas e acaba tendo destaque somente nas mais importantes, como a de São Josafat, em Prudentópolis. É um painel com ícones de santos que ganhou importância no período Renascentista e teve seu ápice durante o período barroco, quando foram trabalhadas com entalhes e cores douradas. Outras preciosidades são os campanários. A arquitetura tem igual importância, pois se comunica de certa forma com a da igreja, mas normalmente menor, com uma cobertura que protege os sinos.
Como as igrejas ficam “escondidas”, já se pensou em criar um roteiro turístico para divulgá-las. Mas, enquanto o projeto não sai do papel, pelo menos o levantamento feito pelos arquitetos “mudou o conceito dos padres, que passaram a valorizar mais as igrejas de madeira e desistiram da ideia de construir uma de alvenaria no lugar”, de acordo com Key. A solução de engessar a arquitetura com cimento só aconteceu na Igreja de São Pedro de São Paulo, em Irati, porque ela estava para ruir: a comunidade decidiu fazer o lado de fora de alvenaria e deixar a parte interna intacta, com as paredes de madeira.
Apesar do rico patrimônio encontrado no Paraná, é na Bahia e em Minas Gerais que estão as principais arquiteturas religiosas do Brasil. Mesmo assim, a degradação também existe nesses estados.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ligado ao Ministério da Cultura, diz que a atual política é a de se voltar para a arquitetura religiosa de outras localidades do país. Um exemplo é a igreja de Antonio Olinto no Paraná: a primeira do estado a receber verbas federais para o seu restauro.
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