Marnie – EUA – 1964 – Alfred Hitchcock


Muitos críticos apontam em seus textos que Marnie, Confissões de Uma Ladra possui uma das cenas mais intrigantes já filmadas por Hitchcock (o semi-estupro cometido pelo personagem de Sean Connery, em resposta à frigidez de sua companheira, Tippi Hedren). Porém, a sequência é simplória e quase se revela como fonte de inspiração para o cineasta Roman Polanski, autor da cena de alucinação mais fantástica já concebida, em O Bebê de Rosemary. Não é ruim, deixe-se claro; mas também não merece representar o longa, quando na verdade, os escândalos dos bastidores serviram como combustível mais potente para o sucesso de Marnie.

Em 1964, Grace Kelly, a atriz favorita de Hitchcock, já desempenhava o papel de Princesa de Mônaco – e esposa do Príncipe Rainier. Hitchcock teria apostado na obra com a intenção de que fosse protagonizada por Kelly, mas a ideia acabou sendo repudiada pelos súditos e especialmente pela família real – o que frustrou muitíssimo não somente a atriz, mas também o diretor. Traçou-se um plano B – e Tippi Hedren (mãe de Melanie Griffith) ocupou-se de interpretar a ladra ninfomaníaca que guardava segredos terríveis em seu passado. A moça não se adaptava às exigências irracionais de Hitchcock, que foi acusado pela imprensa e por biógrafos de descontar sua fúria sobre a atriz, como uma maneira de reprimir o ódio que sentia pela negativa de Grace Kelly. O resultado? Percebe-se, com facilidade, o tamanho do constrangimento de Hedren, que entrega aqui uma performance vazia e superficial, bem distante daquela de 1963, quando protagonizou o suspense Os Pássaros. O filme, obviamente, perde muito com a pobreza da atuação – nem os pequenos lampejos do talento da atriz, evidentes em sequências perdidas, salvam sua performance do descartável.

Por outro lado, há Sean Connery. Longe de ser unanimidade entre os cinéfilos, é praticamente impossível virar as costas a seu desempenho. No papel de um milionário esnobe, Connery atinge uma dubiedade excepcional. Dono de uma voz gutural e até ameaçadora, o ator nos confunde a cada momento; seria um masoquista doentio de péssimo caráter ou simplesmente um homem apaixonado e compadecido com a mulher problemática? Talvez seja necessário louvar Hitchcock por conta disso, já que o diretor desafiou o primeiro roteirista (disposto a passar uma imagem límpida do então 007) e exigiu que o personagem fosse humanizado ao máximo. Nada de bom-mocismo e previsibilidades; ele queria um homem que confundisse o público (a própria cena do estupro demonstra essa ideia) e Jay Presson Allen cuidou de um dos melhores papéis da carreira do ator.

Fora estes detalhes, há de se destacar a direção de Hitchcock, sempre competente – mas aqui ligeiramente preguiçosa, se comparada aos clássicos da década de 1950 e ao próprio Psicose. A história é interessante, o desfecho é curioso e alguns atores coadjuvantes, como Diane Baker, encontram espaço suficiente para brilhar por si próprios, sem depender de grande número de cenas. Contudo, Marnie, Confissões de Uma Ladra não chega a empolgar e carece da atmosfera de mistério e intriga que consagrou o diretor em trabalhos anteriores. Recomendável, mas não indispensável.

Marnie – EUA – 1964 – Direção: Alfred Hitchcock – Elenco: Tippi Hedren, Sean Connery, Diane Baker, Martin Gabel – 130 min – Gênero: Suspense

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