D. Pedro II… do Egito

Marco Antonio Barbosa é jornalista

Imperador era egiptólogo diletante e membro honorário do Institute National d´Égypte, tendo empreendido duas expedições ao país, o que lhe valeu muitas críticas na corte.

O imperador D. Pedro II empreendeu sua primeira viagem internacional em maio de 1871. O roteiro, que se estendeu por cerca de dez meses, incluía previsíveis paradas em Portugal e nos países europeus que eram na época o centro da cultura ocidental: França, Inglaterra, Itália e Alemanha. Mas uma escala em especial saltava aos olhos e despertava a curiosidade: o Egito, onde o monarca desembarcou em outubro daquele ano. Após ter conhecido Alexandria, Pedro II partiu para Suez e, mais tarde, no Cairo, visitaria as pirâmides dos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos e a esfinge de Gizé. Ao retornar a Portugal, o imperador não se cansava de comentar sobre a experiência deslumbrante de conhecer o país – e teria mesmo ficado deprimido, com saudades da terra de Cleópatra.

O interesse de D. Pedro II no Egito, porém, não tinha nada de repentino ou passageiro. Na verdade vinha de berço. Seu pai, D. Pedro I, era aficionado da cultura egípcia, e chegou a adquirir para o acervo palaciano uma múmia procedente da região de Tebas. Era a peça principal da chamada “coleção egípcia” da corte, a primeira organizada na América Latina; os objetos (sarcófagos, estátuas, papiros) chegaram ao Brasil em 1824, trazidos pelo comerciante italiano Nicolau Fiengo; as peças foram incorporadas em 1827 ao Museu Real (o atual Museu Nacional, no Rio de Janeiro).

D. Pedro II, como é notório, crescera com uma grande sede de conhecimento. Poliglota, entusiasta das ciências e as letras, herdou o fascínio do pai pelos mistérios do Egito antigo, mas em escala ainda maior. Tendo começado a estudar a escrita hieroglífica em 1856, o imperador foi um dos principais difusores da egiptologia (o interesse científico sobre a era dos faraós) no Brasil, e trocava cartas com o alemão Émile Charles Brugsch, um dos organizadores do Museu do Cairo, principal instituição dedicada às descobertas arqueológicas do país. “Se os brasileiros não podem ir ao Egito, o Egito tem de vir a eles”, escreveu o monarca.

Toda essa paixão pelas coisas egípcias teve como consequência natural a primeira viagem de D. Pedro II ao Nilo, que durou 15 dias. O imperador demonstrou interesse especial nas (então) recentes descobertas arqueológicas feitas na cidade de Mênfis. Ao visitar a pirâmide de Quéops, desafiou sua frágil condição de saúde e escalou o monumento até o topo (auxiliado por uma equipe de guias locais).

Ainda houve tempo para participar de sessões de debates no Instituto Egípcio de Alexandria; em novembro de 1871, D. Pedro II seria nomeado membro honorário do Institute National d´Égypte, fundado em 1798 por Napoleão Bonaparte. “Eu pedi a palavra e, agradecendo a minha eleição de sócio, disse algumas palavras para mostrar que conhecia já um pouco o Egito na minha pátria”, relatou o imperador. O já citado encantamento experimentado durante a viagem deve ter servido de consolo na volta ao Brasil. O monarca enfrentaria muitas críticas por causa de sua prolongada ausência. Durante a viagem, o país ficara sob as ordens da princesa Isabel, então com apenas 24 anos e considerada inexperiente.

Para retornar ao Egito, o imperador precisou obter do Senado uma autorização de viagem. O pretexto oficial era a saúde da imperatriz D. Teresa Cristina, que buscaria tratamento na Europa. De fato, a comitiva imperial, que deixou o país em março de 1876, passou por vários países do Velho Mundo, mas também pelos Estados Unidos, Rússia, Síria, Palestina… e o Egito, por onde D. Pedro excursionou durante 27 dias, passando o Natal e o ano-novo de 1877 por lá. Com mais tempo disponível, o governante pôde enfim saciar toda a sua sede de conhecimentos históricos. Navegando pelo rio Nilo, o monarca brasileiro conheceu a região do Alto Egito. A viagem nilo acima foi feita na companhia do egiptólogo francês Mariette Bay, com quem trocou impressões e teorias. Em discurso no Instituto de Alexandria, em janeiro de 1877, chamaria a atenção dos estudiosos para as más condições de preservação dos monumentos históricos e dos sítios arqueológicos do país. “Tanto em Denderah como em Abidos são flagrantes os vestígios de incrível vandalismo”, escreveu.
Augustine Mariette (sentado, à esquerda), fundador do Serviço de Antiguidades do Egito, o barbudo imperador D. Pedro II (sentado, à direita) e grande comitiva em visita à necrópole de Gizé, em 1871

Nessa segunda jornada, D. Pedro ainda seria presenteado com a peça que hoje é, provavelmente, a mais importante do acervo egípcio do Museu Nacional: um sarcófago datado de 750 a.C. e que nunca foi aberto. A peça ainda conserva a múmia de Sha-Amun-en-su, sacerdotisa-cantora do templo de Amon durante a XXIIIª dinastia. Descoberto em Tebas, foi uma oferta do quediva Ismail (1830-1895), que governou o país entre 1863 e 1879. O imperador apreciava tanto a raridade que mantinha a múmia em seu gabinete particular (de onde só foi retirada em 1889, após a Proclamação da República) e nunca permitiu que o sarcófago fosse aberto. Hoje, é considerado um dos mais bem preservados artefatos históricos daquele período em todo o mundo.

Entre os vários escritos que compôs sobre suas viagens, D. Pedro II deixou suas impressões sobre o Egito registradas em dois diários. O primeiro relato, escrito em forma de carta para Luísa Margarida de Barros Portugal, a condessa de Barral (tida como o grande amor da vida do imperador), tem um tom informal e concentra-se mais sobre curiosidades. Já o segundo diário exibe todo o conhecimento sobre egiptologia que D. Pedro acumulara até então. Com referência a autores clássicos como Heródoto e Diodoro, os escritos trazem descrições detalhadas de descobertas arqueológicas, templos, baixos-relevos e hieróglifos. O segundo diário, escrito em francês, permaneceria inédito até 1909, 18 anos depois da morte de D. Pedro, quando foi traduzido e publicado pelo historiador Afonso d´Escragnolle Taunay, com o título de Viagem ao alto Nilo. O imperador encerrava seu relato da segunda passagem pelo Egito assim: “A aurora – não aos dedos de rosa, mas a coroa de todas as pedras preciosas – vem me dar seus adeuses nas bordas do Nilo (…). O Nilo merece também uma saudação e eu transcreverei algumas passagens do hino feito a época da XIIª Dinastia: “Ó tu, que vens em paz para dar vida ao Egito! Irrigador das hortas que criou o sol… Estrada do céu que desce… Repouso dos dedos é seu trabalho para os milhões de infelizes…”

Comentários

  1. Muito Interessante, já havia estado por algumas vezes em sua antiga casa na quinta da Boa Vista, atual museu e até então nunca havia me perguntado sobre a ala egípcia da casa, sempre achei que como boa parte dos museus, era de praxe. HaHa Obrigado pelas informações.

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  2. Agradeço sua manifestação, o artigo é de Marco Antonio Barbosa, jornalista.

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