Motos antigas

Gazeta do Povo, 06 de março de 2014
Carlos Ramalhete
Poucas coisas atingíveis expressam tão bem o engenho humano quanto uma motocicleta dos “tempos áureos”, do pós-guerra até a popularização dos componentes eletrônicos. Uma massa de metal finamente fundido e torneado, uma obra-prima da engenharia que se sustenta sobre apenas dois pequenos pontos de apoio – a parte da roda em contato com o chão – quando em movimento. Para tornar tudo ainda melhor, ela leva estrada afora seu feliz piloto, numa relação peso-potência de dar inveja a carrões caríssimos, imerso na paisagem, com o vento no rosto, numa sensação de liberdade que só pode ser ultrapassada pelos poucos que têm condições financeiras de dar-se ao luxo de manter um ultraleve em um hangar perto de casa.
É bem verdade que uma moto nova vai dar menos trabalho e vai ter peças mais fáceis de encontrar, mas uma moto antiga permite que o próprio dono faça grande parte dos serviços de manutenção, sem computadores e sem ferramentas eletrônicas. É um sistema complexo, mas aberto: tudo está ali, sem caixas-pretas. Carburadores, regulagens... É um hobby que se acrescenta ao da pilotagem, uma espécie de quebra-cabeças de engenharia, facilitado pela disponibilidade de manuais técnicos na internet.
Um bom mecânico – como, aliás, também para uma moto nova – é imprescindível, mas raro é o dono de uma moto antiga que não sente prazer em sujar, ele também, as mãos de graxa. É algo que nos torna um pouco mais proprietários, um pouco mais amantes daquela obra de arte sobre rodas.
Sem violações de garantia de fábrica com que se preocupar, instalar acessórios, remodelar a moto toda ou levá-la de volta à condição original se tornam prazeres livres. Ao contrário de uma moto nova, que tem centenas ou milhares de irmãs gêmeas rodando por aí, uma moto antiga acaba sempre sendo única, sendo uma espécie de parceira de seu dono.
Cada barulhinho se torna um velho conhecido, indicando seja o perfeito funcionamento daquele complexo maquinário, seja a necessidade de fazer isso ou aquilo. De passar algumas horas, num sábado à tarde, com uma latinha de cerveja suja de graxa na mão. De aumentar a intimidade com a parceira dos passeios pelas belas estradas da roça.
Quando sobra tempo, nada melhor que subir nela e viajar; ao contrário de uma viagem de carro, o importante não é a chegada, mas a viagem. Ver a vista e sentir o vento, mergulhar nas belezas naturais que nos circundam, com dezenas de cavalos-vapor sob preciso controle a nos carregar.
Falando nisso, vou pegar uma estrada. Alguém mais quer vir?


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