Nação de pedintes

Fernando Martins

A cena foi real; aconteceu há alguns dias: o universitário reclama da demora do atendimento no caixa de uma farmácia de Curitiba. Exaltado e falando alto, chama a atenção dos demais clientes. Exige que a dona do estabelecimento contrate mais funcionários. Diz ter direito a ser bem atendido. E sai, irritado. Detalhe: a espera na fila não era muito superior a um minuto; havia poucas pessoas na loja. Talvez o estudante já estivesse nervoso e só tenha “estourado” lá dentro. Ou havia tido uma má experiência anterior naquele local e aproveitou para “descontar”. Impossível saber. Mas, em sua fúria, deixou escapar uma visão distorcida que vem sendo compartilhada com frequência cada vez maior: a ideia do direito como benefício ou vantagem exclusivamente individual, desprovida da contrapartida dos deveres com a comunidade.
O direito sempre trouxe consigo a concepção do dever social. A origem da palavra, no latim, é de rectum – perfeitamente reto. De onde está o princípio do agir conforme as regras coletivas, com retidão em relação aos demais. Um direito, portanto, é antes de tudo um dever: respeitar as normas do bom convívio e da justiça em sociedade.
A farmácia não desrespeitou nenhum preceito jurídico ou de convivência. O jovem, ao contrário, clamava por algo que afronta o bom senso. Exigia um direito que na verdade é um privilégio inextensível a todos: o atendimento imediato. O pleito simplesmente não era justo.
Embora extremo, o caso exemplifica uma postura que tem sido corriqueira no país, em todos os níveis. Juízes paranaenses pediram e ganharam o auxílio-moradia, sob a alegação de que têm direito à isonomia com promotores – que já dispõem formalmente do benefício. Esquecem-se de que, como servidores públicos, têm o dever de prestar contas à sociedade, que rejeita o pagamento de mais uma benesse para as altas autoridades. Inclusive porque a Justiça não é eficiente.
Garis do Rio de Janeiro fizeram greve em pleno carnaval. Reivindicavam um salário digno. É justo. Mas impediram colegas de trabalhar, cerceando o direito dos demais à liberdade de escolha. E colocaram em risco a saúde de todos os cidadãos – inclusive de seus familiares – ao deixar a cidade imunda. Tudo em nome de seu benefício pessoal.
Nesses exemplos – e em muitos outros possíveis – destaca-se a reivindicação setorial ou individual misturada à ausência ou fraqueza de sentimento do dever social. Isso alimenta a cultura do pedir (e muitas vezes exigir) que alguém ou uma instituição atenda aos desejos de cada um. Corre-se o risco de o país virar uma nação de pedintes. Eles, os mendigos, pedem. Mas não se espera que deem alguma contrapartida.

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