Por Airton Rolim


Matheus Dias




Houve uma vez, um verão, mais precisamente em 1987/88, em que surfistas, pescadores e banhistas começaram a avistar milhares de latas boiando na costa brasileira, do Sul ao Sudeste. Até aí normal, já que, infelizmente, desde aquela época a poluição era comum. A diferença estava no conteúdo das latas... Pasme-se! Toneladas e toneladas de maconha prensada com glicose. Você deve estar se perguntando: “De onde veio isso?” Atrás de respostas, fomos até o Rio, Saquarema e Ubatuba para contar exatamente a história desse episódio que até parece lenda. Mas, na verdade , trata-se do famoso e alucinante Verão da Lata!


Era uma manhã ensolarada em Ubatuba, em dezembro de 1987, quando o surfista José Carlos Maciel, o Zecão, a caminho de sua session encontrou um amigo pescador voltando do mar. “Todos os dias, ele checava sua rede logo cedo. Naquela manhã, viu umas latas ao lado de seu barco, depois outra e mais outra, até que encontrou muitas. Achou que era leite em pó e pegou uma. Abriu e cheirou, era marrom e adocicado. Não acreditou... Pensou que fosse algum tipo de pegadinha. Depois de olhar muito para os lados, agradeceu a Deus e a todos os Santos. Era maconha!”, lembrou o hilário Zecão. Aquele pescador não foi o primeiro, nem o único. Milhares de pessoas naquele verão começaram a encontrar latas perdidas, boiando, contendo muita cannabis. Foi um Deus nos acuda. Gente doidona pra um canto, gente pasmada de outro, gente atrás de latas para vender, ficar rico ou estocar para fumar pelo resto da vida. E a polícia prendendo geral, além de religiosos e conservadores esconjurando o demônio responsável pela perdição espalhada nas praias.

Tudo começou com uma denúncia de tráfico de drogas internacional à Polícia Federal do Rio de Janeiro. “Em agosto de 1987, recebemos a informação pela DEA, agência americana anti-drogas. Eles haviam detectado uma carga de maconha disfarçada em latas de suco de frutas, a bordo do navio Solana Star”, relata o delegado federal Antônio Rayol, um dos responsáveis pelo caso na época. “A embarcação, de pequeno porte, havia saído de Singapura e atravessaria o Atlântico até a costa leste dos Estados Unidos, provavelmente em algum lugar da Flórida”, detalha Rayol. A DEA queria que a polícia brasileira tentasse interceptar o navio quando ele passasse por aqui. “Começamos o trabalho, mas naquela época os recursos eram bem escassos, se comparados aos dias atuais. Então procuramos a Marinha. Eles colocaram uma fragata da armada à nossa disposição, e montamos uma equipe de 15 homens a bordo”, lembra

A missão de rastreamento da Marinha durou dez dias, mas sem êxito. A Polícia Federal acredita que os tripulantes do Solana Star já sabiam que estavam sendo caçados e começaram a fazer silêncio no rádio. Depois, temendo a prisão em flagrante, se desfizeram da carga ilícita, que foi jogada ao mar.

Sem a carga, não havia razão para seguir viagem até os EUA. O navio ancorou no Rio de Janeiro. Os tripulantes deixaram a embarcação e disseram ao cozinheiro de bordo, o americano Stephen Skelton, que iriam sair para fazer compras. Até hoje não se sabe onde foram parar os caras – acredita-se que conseguiram fugir do país. O cozinheiro fez questão de dizer que não sabia de nada sobre essa carga ilícita. Mas Skelton foi preso e processado e condenado, na primeira instância, a uma pena de reclusão de 20 anos. Depois, foi absolvido pelo Tribunal Federal de Recursos. A história do cozinheiro virou livro, escrito por Wanderley Rebello Filho. 1988: O Verão das Latas de Maconha – O Progresso (Letra capital, 2007).

Oscar Cesarotto, psicanalista e professor da PUC-SP, também se baseou no verão de 1988 para criar fatos fictícios em seu livro O Verão da Lata (Iluminuras, 2005). “Fora do País, ninguém acredita que isso aconteceu.” Muita gente até hoje acha que essa maconha é lenda. Contudo, ao realizar a perícia no Solana Star, a polícia calculou, pela capacidade do navio e espaço do porão, que a carga de maconha deveria ser de cerca de 15 mil latas com 1250 a 1500 gramas cada, segundo as informações oficiais. Das latas efetivamente jogadas ao mar, a polícia recuperou apenas 2600. Muitas se perderam no mar e sofreram corrosão, afundando. Outras tantas chegaram à costa. “Vi ônibus lotados de surfistas chegando à praia. A galera voltava para casa com a prancha debaixo de um braço e uma lata debaixo do outro. Foi inacreditável, era tanta lata, tanta gente e eu não parava de rir”, contou ninguém menos que o roqueiro Serguei, de Saquarema, no Rio de Janeiro, o qual garante não ter fumado nada.

O povo, em compensação, fumou e causou. Mas foi também o povo que ajudou a polícia. A todo momento, as delegacias recebiam denúncias sobre latas boiando no mar, gente fumando “a rodo” na praia ou já começando o tráfico. Os departamentos de polícia federal do Sudeste e do Sul do país, com o apoio da polícia militar e civil, montaram uma longa ação de fiscalização, apreensão e prisão de usuários e portadores das latas. As colônias de pesca e praias de todo o litoral brasileiro começaram a receber centenas de policiais. “Fizemos várias prisões e uma foi de maior envergadura, devido à quantidade apreendida. O caseiro de uma casa de veraneio em Monsuaba, distrito de Angra dos Reis, escondeu sob a laje da casa, junto à caixa d´água, cerca de 300 latas. Foi preso e processado”, confirmou o delegado Rayol.





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