Filmes ajudam a conhecer mais a história da Argentina

Por que comparam Cristina Kirchner a Evita Perón? E a ditadura militar brasileira à argentina? Quem são as mães e as avós da Praça de Maio? Com exceção dos conflitos ocorridos durante o período colonial do Brasil, estudamos muito pouco sobre a história da Argentina no colégio, afirma o doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) Gabriel Passetti. Por isso, assistir a filmes que retratam o país hermano pode ser uma forma de incrementar os conhecimentos sobre o assunto em um momento que a Argentina volta ao noticiário internacional.

Também professor de História das Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina (FASM) e do Colégio Equipe, Passetti conversou com o Terra para listar algumas produções cinematográficas que ajudam a entender os fatos mais marcantes da história do país vizinho.

Evita (1996)

Apesar de a presidência da Argentina ter ficado nas mãos de Juan Domingo Perón de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974, é sua esposa, Evita Perón, que até hoje chama mais a atenção. O filme feito em sua homenagem retrata a vida da primeira-dama que cresceu pobre e se tornou um ícone para grande parte da população argentina. Segundo o doutor em História Social pela USP, toda vez em que há uma discussão sobre o casal Perón no país vizinho, também se inicia uma polêmica muito grande. "A sociedade até hoje é muito polarizada e discute muito (as ações de) Perón. No Partido Justicialista, conhecido também como peronista, tem um discurso nacionalista adotado tanto pela direita quanto pela esquerda", afirma. Ele ainda diz que a escolha de Madonna para representar Evita causou grande polêmica entre os seguidores do casal, pois a primeira-dama, segundo ele, "é quase uma santa na visão deles" - o que entraria em oposição à imagem de sexo, drogas e rock and roll que a cantora americana mantinha até então.

Filme Evita retrata a vida da primeira-dama que cresceu pobre e se tornou um ícone para grande parte da população argentina 

A Missão (1986)

Palma de Ouro no Festival de Cannes e indicado ao Oscar, o filme retrata uma Argentina colonial com foco na relação entre jesuítas e bandeirantes. A história gira em torno de um mercador de escravos espanhol que mata o irmão, se arrepende e decide se aliar aos jesuítas para defender os índios. Segundo Passetti, esse tipo de relação era muito forte no Norte da Argentina no período colonial. Ele ressalta que a forma como os grupos são retratados diz muito da época em que o filme foi produzido: "'A Missão' mostra uma imagem positiva dos jesuítas e muito negativa dos colonos, do governo espanhol e do português, o que tem muito a ver com a história da América Latina da década de 80, com a questão das ditaduras e da ideologia da Teoria da Libertação", afirma. Segundo o professor, ao mostrar os colonizadores como maus e os padres e índios como bons, o filme faz alusão à própria sociedade argentina da época em que a obra foi rodada: o governo militar seria representado pelos colonizadores e a população argentina a sofrer os Cestaria na pele dos índios.

A História Oficial (1985)

Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, "A História Oficial" foi a primeira produção que retratou a ditadura argentina, um ano após a volta do regime democrático. "Surgiu em um contexto de denúncia, de mostrar este lado mais perverso e de denunciar o que tinha acontecido", afirma Gabriel Passetti. A história aborda uma prática comum durante o regime militar argentino: o sequestro de filhos de militantes esquerdistas, que, órfãos, eram adotados por oficiais das forças armadas. O docente observa que a ditadura é o período histórico que mais inspirou filmagens, havendo uma espécie de divisão temporal na produção dos filmes. Nos anos 80 e 90, são lançadas obras por aqueles que viveram a ditadura na pele e que vão contar aquilo que sofreram. Já nos anos 2000, a voz é dos filhos dos militantes, cujos efeitos do regime militar eram sentidos mais no dia a dia - como na ausência dos pais, que iam aos protestos. Outros exemplos são "Kamchatka" (2002), "O Segredo dos seus Olhos" (2009) e "O Dia em que Eu Não Nasci "(2010).

Diários de Motocicleta (2004)

Apesar de Che Guevara ser mais conhecido pelo que fez em Cuba, foi na cidade de Rosário, na Argentina, que ele nasceu. "Diários de Motocicleta" procura retratar a viagem de moto que Che e o amigo Alberto Granado fizeram pela América Latina. Saindo de Buenos Aires, ambos ficam oito meses na estrada até chegar a Machu Picchu, onde conhecem uma colônia de portadores de hanseníase e mudam as convicções que tinham até então. Segundo Passetti, a obra constrói uma figura um pouco exagerada e ascendente de Che - de um estudante de medicina até o revolucionário. "O filme é esteticamente muito bonito, porque o percurso que eles fazem é lindo, mas se constrói uma imagem romantizada de Che Guevara, como um herói que se sacrifica, faz tudo e só tem qualidades", opina.

Memória do Saqueio (2003)

Outro período marcante na história da Argentina foi a crise de 2001, que até hoje deixa os hermanos mal das pernas. Segundo Passetti, a causa foi o governo do presidente Carlos Saúl Menem (1989-1999), período em que foram feitas várias reformas neoliberais. "Na década de 90, os argentinos viveram um período de uma fartura muito grande. Mas quando o país quebrou em 2001, se começou a pensar o que foram esses 10 anos de neoliberalismo na Argentina, com uma crítica ao FMI (Fundo Monetário Internacional), ao Banco Mundial, à OMC (Organização Mundial de Comércio) e à ALCA (Área de Livre Comércio das Américas)". À época, era possível sair às ruas e pagar as compras com dólar, pois a moeda americana valia o mesmo que o peso argentino. Entretanto, depois vieram o desemprego, bloqueio bancário, cortes de gastos públicos e protestos da população - o nome do filme, inclusive, faz referência aos saques feitos pelos argentinos nas ruas. Outros filmes que têm a crise como pano de fundo são "Conto Chinês" (2011), "O Abutre " (2010), "Verão Amargo" (2010), "A Próxima Estação" (2008), "A Dignidade dos Ninguéns" (2005) e "Argentina Latente" (2007).