MISTÉRIOS SOBRE O ASSASSINATO DE CÉSAR - O ENÍGMA MARCO ANTONIO


Os famosos atores Richard Burton e Elizabeth Taylor personificando
no cinema os papéis de Marco Antonio e Cleópatra

Shakespeare, em sua famosa peça Julio César, apresenta Marco Antonio como nobre caráter e fiel amigo de César, a quem os assassinos permitem, por equívoco, que promova o funeral do Ditador e durante ele discurse junto com Brutus elogiando as qualidades do morto sem censurar os conspiradores. Ao invés disso, ele se aproveita da ocasião e incita a multidão a vingar o seu pranteando amigo, expulsando os criminosos de Roma. Além de popularizada pelo teatro, a versão foi enormemente divulgada pelo cinema e obteve foros de verdade. No entanto, os fatos se passaram de forma diferente e o papel de herói leal e eloqüente que Shakespeare lhe dá se torna bastante questionável, a ponto de vermos nele um Enigma Marco Antonio.

Nascido na nobilíssima Gens Antonia, ele teve boa educação, mas era desregrado e irresponsável. Era também boêmio, mulherengo, beberrão, alegre, gastador e misturava-se com pessoas de todas as classes, coisas que lhe deram não só muita popularidade, mas também enormes dívidas. A perseguição dos credores o fez ir passar uns tempos na Grécia, enquanto os seus parentes acertavam as suas contas, e lá ele se juntou ao exército que ia combater na Judéia em uma das muitas guerras nas quais Roma sempre se envolvia. Sua bravura, simpatia e talento lhe deram grande destaque e o fizeram querido das tropas, de forma que ao voltar à sua cidade natal ele já era um dos mais importantes generais da República e ingressou no Senado, pois na sua ausência o seu pai tomara parte na revolta de Catilina e fora executado sem julgamento pelo cônsul Cícero, de quem se tornou inimigo mortal. Participou de outras campanhas e depois se juntou a César na Gália, onde também se destacou e se tornou segundo homem em comando. Quando o Procônsul o mandou a Roma pleitear importante cargo, Pompeu e o Senado se lhe opuseram e os distúrbios que se seguiram o obrigaram a voltar à Gália. Aberta a cisão entre os rivais, marchou ao lado de César sobre Roma, pondo em fuga os conservadores e tomando o poder junto com o seu chefe e amigo. Participou de toda a guerra contra Pompeu e quando César ocupou o Egito o nomeou governador da Itália com amplos poderes na sua ausência, que se prolongou até toda a Ásia mediterrânea ser posta sob o domínio romano. Porém Antonio era tão mau administrador quanto era bom general, e ao voltar César encontrou a Itália em péssima situação, obrigando-o a censurar duramente o seu subordinado e a destituí-lo do cargo.

Marco Antonio era ótimo general e péssimo administrador. Farrista, corrupto e
irresponsável, acho o seu papel na morte de César bastante questionável

A amizade entre eles ficou estremecida e Antônio, não mais dispondo do dinheiro do Erário para as suas estroinices, passou por grandes dificuldades, não sendo difícil imaginar que tenha se sentido injustiçado e amargurado. De qualquer forma, eles posteriormente fizeram as pazes e, no final de 45 AC, César o nomeou Cônsul para o ano seguinte. As coisas iam bem e em fevereiro ambos participaram alegremente do carnaval romano: Antônio como inveterado folião e César como divertido espectador! Tudo indica que foi nesse período que a conspiração tomou forma e poucas semanas antes do crime a cidade fervilhava de boatos, até que o pior aconteceu no dia 15 de março de 44 AC durante sessão do Senado, à qual, por incrível coincidência, Marco Antonio, Cônsul e segundo homem mais importante da República, não compareceu! Depois do crime ele contatou Brutus e Cássio e estes lhe permitiram levar o cadáver de César e promover-lhe suntuoso funeral, durante o qual ele e Brutus discursariam. Cícero, seu mortal inimigo, protestou contra o que julgava ser uma loucura, pois achava que ele também deveria ser morto e dado a César funeral discreto. Mas como Cícero não participara da conspiração, e dela nada soubera, os conjurados o ignoraram e cumpriram o acertado. O interessante é que a polícia, sob as ordens do Cônsul Marco Antonio, manteve a ordem e o funeral foi feito com grande pompa, nele discursando os dois futuros adversários. Ao contrário do que narra Shakespeare, não houve distúrbios populares antes, durante e após o funeral, os quais só vieram a ocorrer algum tempo depois, quando a briga, entre Antonio e Otávio de um lado, e Cássio e Brutus do outro, estourou.

Por enquanto o jovem Otávio, sobrinho e herdeiro de César, estava longe na Grécia e os cargos foram divididos entre os conspiradores, conservando Antonio o seu posto de Cônsul. Isto só viria mudar quando o jovem Otávio de apenas dezenove anos, que todos julgavam um quase menino imberbe, desembarcou em Brindisi e, à frente de uma legião fiel a César que se pusera à sua disposição, chegou a Roma. Para surpresa de todos, ao contrário dos jovens ricos da época, ele não usava cabeleira, penteados ou roupas extravagantes, mas cabelos curtos e revoltos, roupas austeras e calçados simples, tudo ao gosto dos mais velhos e dos tradicionais hábitos conservadores! Acompanhado de forte guarda de amigos, pois ao exército era proibido entrar em Roma, ele dirigiu-se ao Senado, onde não só exigiu o cargo de senador como também que lhe fosse permitido adicionar ao nome próprio o título de Imperator, que César adicionara ao seu por expressa autorização senatorial. Sendo ele herdeiro e sucessor do tio, nada mais justo que também lhe herdasse o nome! Os senadores ficaram estupefatos com a sua petulância, mas o que se seguiu é outra história e por enquanto devemos nos ater apenas ao enigma Marco Antonio.



Otávio César, sobrinho do ditador assassinado, seria o grande rival de Marco
Antonio. Após vencê-lo, passaria a história como o imperador Augusto

Para mim o enigma consiste nas seguintes perguntas, jamais esclarecidas pelos historiadores: 1) Por que, fervilhando Roma de boatos sobre um complô contra César nos dias anteriores ao crime, deles Marco Antonio não tomou conhecimento, apesar de ser homem muito bem relacionado em todos os níveis da sociedade? 2) Se por acaso tomou, como a lógica indica que tomou, por que então não informou César, que depositava nele absoluta confiança e o considerava seu melhor amigo? 3) Se ele de nada sabia, a polícia sob o seu comando devia saber, pois polícias em todos os tempos sempre tiveram informantes e a de Roma não era exceção; se era assim, então por que ela não o informou? 4) Por que, justamente no dia do crime, ele, lugar tenente de César e Cônsul da República, não compareceu à sessão do Senado? 5) Por que após o crime a polícia sob o seu comando não prendeu os assassinos, limitando-se a manter a ordem na cidade traumatizada? 6) Por que ele entrou tão rapidamente em acordo com os líderes da conspiração e estes lhe deram tudo o que ele queria, ignorando os conselhos da experiente e astuta raposa Cícero? 7) Por que os golpistas, que agora controlavam o Senado, o mantiveram no cargo de Cônsul e ele concordou com a divisão de cargos que eles logo após fizeram entre si?

Estas são perguntas que eu me faço há muitos anos e para as quais não encontrei respostas convincentes nos mais reputados historiadores. Mas eu tenho uma teoria própria e acho que diante do que aqui foi exposto o leitor também deve elaborar a sua.

Afinal de contas, como disse Shakespeare no Hamlet, “existem mais mistérios entre o Céu e a Terra do que é dado imaginar à nossa vã filosofia”!

Nota: Como não havia tropas do exército em Roma nem nos seus arredores, a ordem na cidade era mantida por uma polícia que tinha o nome de "Guarda Pretoriana". Era composta por algumas centenas de guardas que, embora usassem armas e uniformes militares, não pertenciam ao exército e por isso não tinham equipamento pesado nem eram treinados para o combate. Sua função era guardar os prédios públicos, as pessoas dos magistrados, fazer cumprir suas ordens, investigar crimes e prender criminosos, executando-os quando fosse o caso, e manter a tranqüilidade e a ordem públicas. O imperador Tibério a transformou em guarda imperial composta de soldados profissionais, aptos ao combate, e o seu comandante, chamado "Prefeito do Pretório", tornou-se um alto magistrado de natureza militar diretamente subordinado ao imperador. Na época de César ainda não era assim: a guarda era mais polícia civil do que polícia militar e o magistrado que a comandava era subordinado aos Cônsules e ao Senado. Sendo o Cônsul praticamente único, pois o outro era César, que acumulava a função com o cargo de Ditador Vitalício, Marco Antonio era o segundo homem do governo e o Prefeito do Pretório a ele se reportava diretamente.

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