LANTERNAS VERMELHAS (DA HONG DENG LONG GAO GAO GUA, 1991)



Quase quatro décadas antes de sua conturbada Revolução Cultural, que subverteria a estrutura política e a ideologia de toda uma nação, a China ainda preservava algumas tradições milenares. Uma delas dava total liberdade a qualquer homem abastado de possuir o número de esposas que ele bem desejasse. “Possuir” é o termo correto, já que as mulheres eram compradas de suas famílias por meio de dotes. A partir daí, a situação dessas mulheres seria a de propriedade do marido.

Na década de 20, às véspera de estourar uma duradoura guerra civil, o comunismo ainda não estava de todo infiltrado no país, sofrendo violentas ofensivas por parte dos nacionalistas de Chiang-Kai-Shek. É nesse fervescente período que se situa o enredo de Lanternas Vermelhas, terceiro longa do brilhante cineasta Zhang Yimou. O filme, no entanto, em vez de expor o alarido da população chinesa, prefere concentrar toda a sua tensão entre os muros da propriedade de um poderoso homem e a rivalidade de suas quatro esposas.

Gong Li interpreta Songlian, uma jovem universitária de 19 anos que acaba de perder o pai. Impelida pelas dificuldades financeiras da família a interromper seus estudos, Songlian aceita a proposta de casamento de um homem rico a quem jamais conhecera. Chegando no imenso e labiríntico conglomerado de casas do marido (a quem todos chamam de “mestre”), ela conhece suas três “irmãs”, Yuru, Zhuoyun e Meishan. Yuru é mãe do primogênito do mestre, mas hoje é ignorada devido a sua idade. A sorridente Zhuoyun, na faixa dos 40, lamenta-se por ter dado uma filha, e não um menino, a seu mestre, mas sonha em reverter a situação e ficar grávida enquanto ainda houver tempo. Por sua vez, a caprichosa Meishan, ex-cantora de ópera, é mãe de um garoto.

A tradição é assim: o mestre seleciona uma de suas esposas para passar a noite. A eleita recebe um tratamento especial, com direito a massagem nos pés e a escolha do cardápio para as refeições do dia seguinte, e a fachada de sua casa é iluminada com enormes lanternas vermelhas. São raros instantes de prazer dos quais ela pode gozar antes de mais uma vez disputar a atenção do mestre com as “irmãs”. A chegada de Songlian gera ciúmes e descontentamento (inclusive na criada Yan’er, que sempre ansiara por tomar seu lugar), uma vez que ela rapidamente passa a se tornar a favorita do mestre.

Dividido em quatro partes — as estações do ano —, Lanternas Vermelhas apresenta as quatro mulheres, de quatro gerações diferentes, não tanto como esposas, mas sim como concubinas, destinadas a servir o marido num ciclo perpétuo de obediência e humilhação. As estações talvez simbolizem cada uma das quatro personagens: a primeira esposa, fria e pouco solicitada, seria o inverno. A segunda esposa, no outono da vida, luta silenciosamente contra o perecimento de sua fertilidade. A terceira esposa, bela como a primavera, é um poço de exuberância e classe. Songlian, representando o verão, é quente, incipiente, fresca.

Os enquadramentos de Zhang Yimou, na maioria, são frios, distantes e simplistas. E por vezes, espetaculares. A fotografia de Fei Zhao desenha um impecável contraste entre o brilho rubro que emana da casa eleita pelo mestre para passar a noite e a escuridão em que as outras três concubinas fazem seus planos de sedução. Lanternas Vermelhas expõe os sentimentos de vingança, traição e descontentamento em que as mulheres eram diariamente submetidas, o que é percebido com clareza em determinadas cenas como a do corte de cabelo.

É notável a idéia do diretor em jamais mostrar o rosto do mestre ao longo do filme. Sempre o vemos de costas, ou de longe, ou por trás dos véus que circundam a cama de suas esposas, reforçando a idéia de que ele poderia ser qualquer um, qualquer pessoa daquela época. A ênfase está exatamente nas atrizes, apontando a condição feminina daquele país. As mulheres não tinham voz ativa em qualquer contexto, eram reduzidas unicamente a objetos sexuais, e poderiam sofrer graves conseqüências caso “saíssem da linha”. O fato de Songlian ter estudado em uma universidade, ainda que tivesse de abandonar os estudos após a morte do pai, faz um contraponto à situação que depois viria a se submeter. Ela poderia ter sido uma pioneira, uma vitoriosa numa sociedade controlada por homens, mas o destino não lhe fora muito benévolo. Lanternas Vermelhas, portanto, trata-se de uma denúncia não apenas ao horror da poligamia consentida, mas à luta pela sobrevivência das mulheres em meio ao machismo oriental.

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