“Corre, corre porque a cidade está afundando!”

POLLIANNA MILAN


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Cenário trágico na orla de Guaratuba: parecia o fim do mundo

Depois do afundamento da orla de Guaratuba, em 1968, a ideia era transformar a antiga Rua da Praia em uma avenida parecida com a do Rio de Janeiro. Mas o projeto nunca saiu do papel


Ninguém ficou ferido ou morreu naquele 22 de setembro de 1968 em Guaratuba, Litoral paranaense. Isso graças aos que saíram forçosamente do cinema que ficou sem luz às 22h30. Da porta do Cine Media Luz, na Rua da Praia, marco zero da cidade, a população conseguiu ver o que parecia ser o fim do mundo: o mar já havia derrubado o muro de arrimo da rua principal e avançava impetuosamente. Todos correram em debandada, batendo de porta em porta, acordando os que já haviam se deitado e pedindo para fugir dali.

Maria do Rocio Bervervanso, uma criança na época, lembra que ficava olhando para o pai, que vagava pela rua em trajes de dormir e não entendia nada. Guaratuba havia perdido seu chão

O dia do afundamento da orla de Guaratuba é atribuído a causas lendárias, como a crença indígena de que ela seria tragada pelo mar para que a baía se unisse à praia. O desastre também sobrou para os ex-escravos. Dizem que foram eles que rogaram uma praga para município porque ali, dentro do prédio da antiga prefeitura, havia um pelourinho onde eram castigados – foi justamente este edifício o primeiro a ruir. Há ainda quem tenha dito que a erosão foi causada por um tatu enorme que estava fazendo buracos há anos perto do trapiche.

Geólogos como João José Bigarella, que estudou o solo depois do ocorrido, explicam que a erosão ocorria há muito tempo, e foram inclusive registrada nas palavras de Saint Hilaire em 1820. Os problemas foram agravados com a construção do trapiche e do muro de arrimo. “O muro foi feito com dois metros de profundidade e com drenagem insuficiente. A água entrava por debaixo e não saía. Quando começou o desmoronamento, a areia fina que restava virou água, por isso em menos de duas horas uma cratera se formou”, explica Bigarella.

Catorze imóveis foram atingidos, num raio de 120 metros e 160 pessoas ficaram desabrigadas. O prédio da prefeitura veio abaixo, assim como o cartório eleitoral que ficava em anexo. A populaçãoperdeu tudo. O barbeiro Chavico, naquela noite, pulou na água, de pijama e tudo, para tentar salvar seus 600 cruzeiros que estavam em uma gaveta. Foi em vão.

Cachorro flutuava em cima de geladeira

Logo depois do que aconteceu em Guaratuba, o morador Luiz Araújo contou aos jornalistas como encontrou seu cão, que dormia dentro de casa quando o mar engoliu a orla da cidade: “Ele havia sumido e me disseram que os Bombeiros conseguiram achá-lo em cima de uma geladeira que flutuava no mar”. A cena descrita pelo senhor Luiz resume o que foi a vida dos guaratubanos nos dias seguintes ao afundamento. Os pertences leves boiaram e os outros, como o cofre da prefeitura, foram parar no fundo do mar e só os escafandristas conseguiram recuperá-lo. Foram encontradas três máquinas da padaria do senhor Floriano e muitos móveis que ficaram encobertos pelo lodo. Uma caixa de papelão do bazar Áustria, onde haviam sido guardados 8 mil cruzeiros novos, foram engolidos pela água e nunca mais apareceram.

Naquela noite, um funcionário da prefeitura ligou para Paranaguá pedindo socorro, mas a história narrada foi desacreditada pelo policial que estava do outro lado da linha. A cena era mesmo de horror. Moradores como a aposentada Luiza Pickius, contaram à imprensa que os azulejos das casas começaram a cair junto com o ventilador de teto. O chão começou a ficar com grandes fissuras e as árvores e postes pareciam ser engolidos pelo solo, porque não caiam, apenas afundavam verticalmente. “A sensação era de que as construções estavam podres e iam se esfarelando”, diz ela.

Projeto

Logo depois do ocorrido, o então superintendente da extinta Sudesul, o engenheiro civil Ayrton Lolô Cornelsen, fez um projeto para a antiga Rua da Praia que acabaria de vez com as lembranças da catástrofe. A ideia era construir uma Avenida Atlântica com a pompa da do Rio de Janeiro, com jardins, espaço para ciclistas e caminhadas. O projeto do Cornelsen ainda existe e está na prefeitura. Mas permanece sendo um sonho.

O que veio abaixo

A tragédia de setembro de 1968 destruiu importantes edificações de Guaratuba:
- Prefeitura de Guaratuba – prédio São Luís.
- Cartório eleitoral e Câmara de Vereadores.
- Bar Patriarca, barbearia Chavico, loja Agnello, restaurante Marabá, loja do proprietário Floriano Millek, Bar Nacional, uma panificadora recém-construída, bazar Áustria, a sede do Clube Atlético Ipiranga, a casa do ex-prefeito Joaquim Mafra e outras residências particulares.


Casca de ostra - A prefeitura funcionava no edifício São Luís, que antes era Câmara e Cadeia. Ele foi construído por volta de 1771, época da fundação da cidade. Como não havia cimento, o prédio foi levantado com casca de ostra, pedra de rio e óleo de baleia



Brigas - No dia seguinte à erosão, o mar ficou cheio dos pertences dos moradores, que chegaram a brigar entre si para resgatar o que podiam. A prefeitura perdeu toda a sua documentação, inclusive os registros de imóveis da cidade. Os papéis ficaram ilegíveis com o lodo


Como era - Antes do afundamento, a Rua da Praia era assim: havia um espaço para caminhadas, um trapiche e um muro de arrimo – que teria impulsionado a erosão, porque foi feito sem drenagem

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